Thursday, June 07, 2007

os falhanços (aplicados ao complicado)


A garantia de uma boa complicação é-nos dada pelo institute of failure



1. Acidente
2. Erro
3. Fraqueza
4. Incompetencia
5. Método incorreto
6. Inadequabilidade
7. Incompatibilidade
8. Enrascanço
9. Confusão
10. Redundância
11. Obsolescencia
12. Incoerencia
13. Irreconhecibilidade
14. Disparate
15. Invisibilidade
16. Impermanencia
17. Deterioração
18. Instabilidade
19. Esquecibilidade
20. Atraso
21. Desaparecimento
22. Catastrofe
23. Incerteza
24. Dúvida
25. Medo
26. Distraíbilidade


a receita garante-nos um bom espaço de actuação romanesca - a eficácia não dá boas ficções nem brilhantes pensamentos - o falhanço faz parte da resistência da natureza às agressões que o sucesso impõe

mamã-nifesto complicadista



Manifesto como se fosse mais-ou-menos a tentar dizer o que é que é isso da coisa complicadista (ai jesus!)



O que é que é (digamos que) a «arte» complicadista (aquela que é cá connosco e é cá dos nossos)?

uma arte que não é, a modos que, clara, mas também não é, a desmodos e coisa e tal e qual obscura



uma arte que, ainda por cima, não fode nem sai de cima, mas também não se decide a não foder nem a saír de cima,e então que até que dá para ir entretendo e chateando um bocadinho e o caneco



uma arte com coisas que estão a mais, muitas outras que estão a menos, e também com coisas bonitas (lindas de morrer?), além das feias, porcas e más que se perdem no meio (ai que pena!)



uma arte que não fala das coisas nem do mundo (seria melhor se estivesse de bico calado!), que não tem assuntos precisos, que não é gira, que não explica, nem denuncia, nem é evidente, nem salva (safa) ninguém, nem satisfaz, mas também não aborrece completamente, a não ser o estar a ser motivo de tagarelice para o artista e a sua pandilha e os curiosos quando não há acidentes de viação



uma arte que esbanja meios, quer os tenha, quer os não tenha, embora se calhar para o ano venha a ter os tais meios e orçamento para muito mais



uma arte que é comicheira, que dá vontade de coçar, que irra, que caramba, que pôça, que implica e implica, e dá mesmo vontade de implicar, e que nos chateia com os seus pressupostos e picuinhices e serigaitices



uma arte que não é muito séria, mas gostaria ou de o ser ou de o parecer, mas também não é própriamente irónica e como tal só existe como trapalhada para se atrapalhar a si própria e dar conta das desgraçitas mesmo que não sejam nada de importante, pois pois, a vida são dois dias


uma arte que não se reconhece no presente (nem nunca chega a hora, nem nunca mais é sábado), que não acha graça a coisissíma nenhuma, embora escarafunche nuns mestres ditos antigos, daqueles que ninguém sabe, ai é tão bom ser culto e interessado em coisas que ninguém se interessa, e também não tem tempo para estar up-to-date, e caso tivesse tempo até estaria se não fosse mais uma moda péssima que passa e não vale a pena estar a perder tempo com trampas dessas





uma arte cujos pressupostos são patológicamente obscuros, mas que também não frequenta psicanalistas maçons (que os há, há!)



uma arte dita inteligente quando se esmifra (embora pareça estúpida e entupida), bem pretenciosa, esquizoide até, cheia de coisas de caracácá, de gracinhas imaturas, de citações marotas ou maradas e que não interessam nem ao menino jesus



uma arte atormentada a querer passar por divertida, tal ec qual como a piada marota de um padre existênciaslista num funeral



uma arte que já só pede desculpas por ter andado muito tempo a pedir desculpas, mas que não pede desculpas nem nas entrelinhas nem por sombras, porque na verdade são tudo uns gajos que mais valia mandar à merda e que nos querem tramar



uma arte que se entretem a denegrir, ainda que envergonhadamente, não se sabe se a si-própria, se o xico da esquina, ou se a coisa é p’ró boneco



uma arte eliptica, mas só a meio gás, com rabos de fora e incompreensíveis indirectas (agora calhava bem uma patanisca!)



uma arte que lá na ideia que tem de si própria põe toneladas de aspas, catrefadas de itálicos, bué da parenteses, uma porrada de exclamações, montes de pontos e virgulas, uma mão cheia de interrogações e umas arrobas de reticências, traços, rasuras, obliterações e o que der e vier
uma arte que manda bocas de esguelha, que questiona como o caneco, mas que não está p’a responder nem que a matem



uma arte, suja, a feder, erradinha da silva, pouco expressiva, de fazer um gajo roncar, embora haja muito boa gente que diga que é um niquinho interessante



uma arte que avacalha (olá se avacalha!) e se avacalha a si mesma por assim dizer, mas que não crítica, não se pronuncia relativamente a vidas e obras alheias, embora até diga mal, pela frente, se tiver oportunidade para isso, e pelas costas, as vezes que for preciso, embora não seja desse género pela saúde da sua mãezinha



uma arte que não assume, embora até tenha tomates, e prontos, fica p’rá’manhã, que hoje já tenho a minha conta



uma arte pérfida, pífia, escabrosamente sexual e no fundo no fundo lá dá uma fodazeca uma vez por mês (já não é nada mau!)



uma arte aos olhos de todos sintática e ortográficamente errada, mas como jesus disse, que atire uma pedra quem não deu pontapés na gramática



uma arte de parágrafos longos (no «espirito»), palavrosos, espampanantes, sem cair na miséria «amaricana» de dizer fuck fuck à frente e atrás dos substantivos e que fuja com o rabo à seringa aos adjectivos e aos advérbios de modo



uma arte «insótérica», que não é para todos, nem para os mais atrevidotes (olé!), mas sem mistérios, nem mariquices de saias e aventais e cenas estilo poltergeist, nem simbolos balofos, só cenas fixes



uma arte ingénua, pois é, mas sem dignidade, com o pechisbeque barato dos sentimentalismos de quem já só chora com as telenovelas brasucas mas que não se ri há muito tempo nem com o teatro de revista ou o Herman José



uma arte com antepassados de peso e aberta até a um certo ridiculo, assim cá do género surrealista



uma arte atribuladamente executada (oficinal? òmessa!), com muitos pormenores, muitas técnicas ao mesmo tempo, toneladas de verniz e outros morosos petiscos



uma arte que disfarça (até essa coisa de ser arte), mas que disfarça mal, mesmo dentro do pijama (nua e onanicamente a sós com o seu sujo sexo), sendo no fundo uma mula que dissimula, embora seja uma mala onde mal cabe uma cabala



uma arte que ranje os dentes, mas para dentro, que para a fora ninguém a apanha a serigaitar, a apunhalar, a aplaudir, a chorar ou a claudicar



uma arte que não fica bem nem com o sofá, nem na galeria, nem no museu, nem num espaço muito vazio à espera que alguém lhe ponha o olhar, como se fossem cornos,em cima, nem na rua, nem no antiquário, nem no quarto bué da dirty do adolescente, entre a Shakira e aquele gajo satanico que tem nome de gaja



uma arte bem educada, à moda antiga, que faz obséquios e finezas, a tentar com um prazerzinho dos diabos a ser mal-educadona e dizer caralho a torto e a direito, ou então uma arte bronca com’ó caraças a armar-se em menino zéquinhas, e isto é que era uma g’anda bomba
uma arte brega, «novo-riquista», ora tímidamente ambiciosa, ora desbocadamente despropositada, a cometer gaffes atrás de gaffes e a corar e a tremer com o rabo erntre as pernas



uma arte «com muitas intenções ao mesmo tempo», tantas que até nem vale a pena contá-las, mas com uma aberrante falta de intenções de fundo, apesar de andar aí a dizer por tudo quanto é sítio que é assumidamente não-intencional e que isso é que é internacional



uma arte babélica, emigrantona, que dá erros crassos em todas as linguas, que tem muitos sotaques ao mesmo tempo, e a gente já não sabe se é do campo, da frança, dos tyele-tubyes ou do MTV, e que como isso até é giro, fresco e franco fica desculpada e pode voltar para o bairro-da-lata donde saiu



uma arte que gostaria de ser tudo isto, mas que não consegue preencher o formulário até ao fim por causa dos nervos e das cãibras, e que mais valia estar a fazer outra coisa e já está na hora de um gajo se pôr a milhas há um petisco a arrefecer

complicadismo (a project)


«quanto mais intiligente mais estúpido», dizia o Gombrowickz


mas para além da intiligência e da estupidez existe essa arte ora intiligentemente estupida ora estupidamente intiligente de nos atropelarmos no sermos nesta lingua (o «tuguês») rebuscada, emboscada, enrolada, auto-canibal, ruminando e rosnando quando não é delicodoce, e etc.


temos ilustres exemplos desde o escarnho e mal-dizer dos trovadorescos, para se vingarem e limparem o ranho das cantigas de amigo, e escarrar a alto e bom-som (ou a baixo e bom sonso) o que se cochicha debaixo das janelas ou ao lado das alcovas


tratou-se, desde sempre do «encanitamento» da cultura


de certa forma, o mundo existe para que nós possamos ser realmente complicados - complicados connosco, com os outros, com a lingua que usamos e que nos usa, e os complicados horizontes/buracos mentais que esta e nós, em conjunto, podemos gerar


popderiamos ser normais, desinteressantes, mas preferimos, para que os outros nos prestem quiçá atenção, pertencer à categoria dos excepcionais, isto é, dos esquesitos, dos complicados, e caso o truque não resulte, dos algo «anormais»


a complicação é a versão degradante da complexidade - o confuso, o difícil, o renitente, o quase caótico, o mal-organizado


os complicadistas refinam-se quando têm uma experiência anglo-saxónica, com a propensão para a afirmação da excelência no plano da dita «cultura» - não vejo um bife elitista a exaltar-se realmente com a feijoada


no entanto os bifes extasiam-se realmente diante da itália do renascimento, e da grécia de Péricles, como de antepassados que os civilizaram e os vão civilizando no que um bife elitista possa ter de civilizável, sem deixar o cú do hooligan de fora do pub


o contacto do complicadismo tuga com the best of the bife (o melhor do steack!) produziu verdadeiros masterworks de exigência, paranoia e sensação de eterno exílio nesta nódoa à beira-mar plantada - talvez o caso mais exemplar seja o do Vasco Pulido Valente - o regresso à terrinha só é suportável filtrado por um bom malte escocês, nada de vinhaça do porto, açurada, piegas, e ainda mais mortal para a figadeira


não coisando nem coiso-coisando, podemos no entanto apreciar bifes com batarda frita, com o inenarrável huevo a caballo


para quê simplificar quando tudo pode ser complicável, excepto em dietas alentejanas - embora estas fedam a alho, o que não é apropriado para dissertar sobre obscuros assuntos do helenismo, sem pastilhas-elásticas góticas


a lucidez seria a cura, mas a doença também é lucidificante (convém adaptar este neo-logismo) como o disseram talvez alguns filósofos carnívoros - não nos interessam os tratamentos e as terapias, porque as culpas, nossas, da mãe, ou dos outros filhos dela, mesmo quando alheias, ou sem o tal alho, se extirpadas só nos tornariam inviávelmente simples, desinteressantes e de um nível ainda mais abaixo do imaginável


a arte a que parecemos cão-danados é, pois claro, o prazer de chicmente, e achincalhadamente, roçarmos o rasca, ou mergulharmos nele com algum estéticismo - o tema foi explorado pelo autor da frase inicial desde o seu primeiro livro - já não ér o aristocrata que galantemente fode com a bela moleirinha, mas é o dandy que se arrasta caçando coninhas na gentalha dos suburbios


acrescento, como um lema HÍBRIDO/LÚBRICO/ÚBRICO/ÚBIQUO