Manifesto como se fosse mais-ou-menos a tentar dizer o que é que é isso da coisa complicadista (ai jesus!)
O que é que é (digamos que) a «arte» complicadista (aquela que é cá connosco e é cá dos nossos)?
uma arte que não é, a modos que, clara, mas também não é, a desmodos e coisa e tal e qual obscura
uma arte que, ainda por cima, não fode nem sai de cima, mas também não se decide a não foder nem a saír de cima,e então que até que dá para ir entretendo e chateando um bocadinho e o caneco
uma arte com coisas que estão a mais, muitas outras que estão a menos, e também com coisas bonitas (lindas de morrer?), além das feias, porcas e más que se perdem no meio (ai que pena!)
uma arte que não fala das coisas nem do mundo (seria melhor se estivesse de bico calado!), que não tem assuntos precisos, que não é gira, que não explica, nem denuncia, nem é evidente, nem salva (safa) ninguém, nem satisfaz, mas também não aborrece completamente, a não ser o estar a ser motivo de tagarelice para o artista e a sua pandilha e os curiosos quando não há acidentes de viação
uma arte que esbanja meios, quer os tenha, quer os não tenha, embora se calhar para o ano venha a ter os tais meios e orçamento para muito mais
uma arte que é comicheira, que dá vontade de coçar, que irra, que caramba, que pôça, que implica e implica, e dá mesmo vontade de implicar, e que nos chateia com os seus pressupostos e picuinhices e serigaitices
uma arte que não é muito séria, mas gostaria ou de o ser ou de o parecer, mas também não é própriamente irónica e como tal só existe como trapalhada para se atrapalhar a si própria e dar conta das desgraçitas mesmo que não sejam nada de importante, pois pois, a vida são dois dias
uma arte que não se reconhece no presente (nem nunca chega a hora, nem nunca mais é sábado), que não acha graça a coisissíma nenhuma, embora escarafunche nuns mestres ditos antigos, daqueles que ninguém sabe, ai é tão bom ser culto e interessado em coisas que ninguém se interessa, e também não tem tempo para estar up-to-date, e caso tivesse tempo até estaria se não fosse mais uma moda péssima que passa e não vale a pena estar a perder tempo com trampas dessas
uma arte cujos pressupostos são patológicamente obscuros, mas que também não frequenta psicanalistas maçons (que os há, há!)
uma arte dita inteligente quando se esmifra (embora pareça estúpida e entupida), bem pretenciosa, esquizoide até, cheia de coisas de caracácá, de gracinhas imaturas, de citações marotas ou maradas e que não interessam nem ao menino jesus
uma arte atormentada a querer passar por divertida, tal ec qual como a piada marota de um padre existênciaslista num funeral
uma arte que já só pede desculpas por ter andado muito tempo a pedir desculpas, mas que não pede desculpas nem nas entrelinhas nem por sombras, porque na verdade são tudo uns gajos que mais valia mandar à merda e que nos querem tramar
uma arte que se entretem a denegrir, ainda que envergonhadamente, não se sabe se a si-própria, se o xico da esquina, ou se a coisa é p’ró boneco
uma arte eliptica, mas só a meio gás, com rabos de fora e incompreensíveis indirectas (agora calhava bem uma patanisca!)
uma arte que lá na ideia que tem de si própria põe toneladas de aspas, catrefadas de itálicos, bué da parenteses, uma porrada de exclamações, montes de pontos e virgulas, uma mão cheia de interrogações e umas arrobas de reticências, traços, rasuras, obliterações e o que der e vier
uma arte que manda bocas de esguelha, que questiona como o caneco, mas que não está p’a responder nem que a matem
uma arte, suja, a feder, erradinha da silva, pouco expressiva, de fazer um gajo roncar, embora haja muito boa gente que diga que é um niquinho interessante
uma arte que avacalha (olá se avacalha!) e se avacalha a si mesma por assim dizer, mas que não crítica, não se pronuncia relativamente a vidas e obras alheias, embora até diga mal, pela frente, se tiver oportunidade para isso, e pelas costas, as vezes que for preciso, embora não seja desse género pela saúde da sua mãezinha
uma arte que não assume, embora até tenha tomates, e prontos, fica p’rá’manhã, que hoje já tenho a minha conta
uma arte pérfida, pífia, escabrosamente sexual e no fundo no fundo lá dá uma fodazeca uma vez por mês (já não é nada mau!)
uma arte aos olhos de todos sintática e ortográficamente errada, mas como jesus disse, que atire uma pedra quem não deu pontapés na gramática
uma arte de parágrafos longos (no «espirito»), palavrosos, espampanantes, sem cair na miséria «amaricana» de dizer fuck fuck à frente e atrás dos substantivos e que fuja com o rabo à seringa aos adjectivos e aos advérbios de modo
uma arte «insótérica», que não é para todos, nem para os mais atrevidotes (olé!), mas sem mistérios, nem mariquices de saias e aventais e cenas estilo poltergeist, nem simbolos balofos, só cenas fixes
uma arte ingénua, pois é, mas sem dignidade, com o pechisbeque barato dos sentimentalismos de quem já só chora com as telenovelas brasucas mas que não se ri há muito tempo nem com o teatro de revista ou o Herman José
uma arte com antepassados de peso e aberta até a um certo ridiculo, assim cá do género surrealista
uma arte atribuladamente executada (oficinal? òmessa!), com muitos pormenores, muitas técnicas ao mesmo tempo, toneladas de verniz e outros morosos petiscos
uma arte que disfarça (até essa coisa de ser arte), mas que disfarça mal, mesmo dentro do pijama (nua e onanicamente a sós com o seu sujo sexo), sendo no fundo uma mula que dissimula, embora seja uma mala onde mal cabe uma cabala
uma arte que ranje os dentes, mas para dentro, que para a fora ninguém a apanha a serigaitar, a apunhalar, a aplaudir, a chorar ou a claudicar
uma arte que não fica bem nem com o sofá, nem na galeria, nem no museu, nem num espaço muito vazio à espera que alguém lhe ponha o olhar, como se fossem cornos,em cima, nem na rua, nem no antiquário, nem no quarto bué da dirty do adolescente, entre a Shakira e aquele gajo satanico que tem nome de gaja
uma arte bem educada, à moda antiga, que faz obséquios e finezas, a tentar com um prazerzinho dos diabos a ser mal-educadona e dizer caralho a torto e a direito, ou então uma arte bronca com’ó caraças a armar-se em menino zéquinhas, e isto é que era uma g’anda bomba
uma arte brega, «novo-riquista», ora tímidamente ambiciosa, ora desbocadamente despropositada, a cometer gaffes atrás de gaffes e a corar e a tremer com o rabo erntre as pernas
uma arte «com muitas intenções ao mesmo tempo», tantas que até nem vale a pena contá-las, mas com uma aberrante falta de intenções de fundo, apesar de andar aí a dizer por tudo quanto é sítio que é assumidamente não-intencional e que isso é que é internacional
uma arte babélica, emigrantona, que dá erros crassos em todas as linguas, que tem muitos sotaques ao mesmo tempo, e a gente já não sabe se é do campo, da frança, dos tyele-tubyes ou do MTV, e que como isso até é giro, fresco e franco fica desculpada e pode voltar para o bairro-da-lata donde saiu
uma arte que gostaria de ser tudo isto, mas que não consegue preencher o formulário até ao fim por causa dos nervos e das cãibras, e que mais valia estar a fazer outra coisa e já está na hora de um gajo se pôr a milhas há um petisco a arrefecer